Eduardo Baszczyn (1976) é jornalista e mora em São Paulo. Foi um dos autores da revista literária Puçanga, lançada em 2005. "Desamores", seu primeiro romance, foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura deste ano, e está sendo lançado no próximo dia 21 de maio, no Bar Balcão - R. Dr. Mello Alves, 150, a partir das 20h, em São Paulo.
BANQUETE

Só hoje, elas chegaram ao quarto. Por debaixo da porta. Pelo canto da parede, beirando o rodapé. Silenciosas, mas não invisíveis; pequenas, mas nem por isso inofensivas, antes, percorreram toda a casa carregando para fora as coisas nas costas. Indo e voltando, centenas de vezes, para levar mais e mais de um lugar que já não possuía quase nada.
Primeiro, os pequenos vasos. As flores, frágeis, que já morriam por causa do inverno. Aos poucos, todas. Pétalas e folhas recortadas em pedaços minúsculos. Colorindo o exército, marchando em direção ao jardim. Depois, a sala. A invasão no meio da tarde. Duas na frente para reconhecer o terreno. Avaliar o grau do perigo, antes da chegada das outras. Em horas, o tapete limpo. As migalhas levadas. Meus restos caídos, transformados em jantares para os próximos dias. Meu passado enterrado no jardim. Pedaços de mim estocados sob a grama para as próximas refeições. Na manhã seguinte, a cozinha. Dela, os farelos. Os grãos perdidos debaixo dos armários. Cascas de pão. Sementes de frutas. Gotas de leite. E o pote. Por último. O açúcar, depois da escalada. A recompensa, depois da bandeira fincada no topo. Dos dias de trabalho pesado.
Mas hoje, finalmente, elas chegaram ao quarto. Por debaixo da porta. Beirando o canto da parede. Acompanhando o rodapé para não se perderem no escuro do cômodo fechado há dias. Talvez ainda não saibam que há comida para muito além da estação. Sobrevivência garantida por meses depois do frio. Se tivessem ouvido os gritos, os pedidos de socorro, talvez estariam por aqui antes. Talvez tivesse pulado os vasos, as migalhas do tapete, os farelos da cozinha. Mas vieram pelo cheiro. Pelo azedo saindo pelas frestas da janela. Contaminando o jardim do lado de fora. Demoraram, as danadas. Não resistiram às tentações do caminho. Flores. Cascas. Gotas. O açúcar do pote. Mas chegaram. Hoje, no final da noite, é o que importa.
Acendo as luzes do quarto porque quero ver detalhes. Os pequenos pedaços sendo carregados nas costas de cada uma. Não sei em quantos dias não haverá mais carne. Em quantas viagens tudo estará limpo. Em quanto tempo, o quarto estará vazio. Não sei em quantos meses não haverá mais um homem caído de bruços sobre o chão gelado. Sei apenas que quanto antes começarem melhor.
Por isso, vamos, senhoras formigas, apressem seus passos milimétricos.
Transformem logo o imbecil do meu marido em um enorme e suculento banquete.


O PAPO DO EDUARDO

Eduardo é um rapaz tímido e modesto. Aparece tão pouco que já está virando lenda urbana... mas ele existe sim, inclusive já vi pessoalmente. Não só existe, como escreve muito. Por isso, não percam a rara oportunidade de encontrá-lo, no lançamento do "Desamores"!

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